Um breve papo com Rubem Alves e Clarissa Estés sobre amores possíveis

Com a proximidade do dia dos namorados, venho observando as movimentações em torno do tema nas redes sociais. De repente, o amor voltou a ser lindo, discursado pelas mesmas pessoas que veiculam diariamente as políticas de extermínio e agressão. As postagens patrocinadas começam a aparecer, repletas de produtos com as mais variadas formatações de “eu te amo”. Em tempos líquidos, nem todos os relacionamentos seguem a tendência da pós-modernidade, embora a fluidez das mudanças de status nos perfis possam sugerir que a questão seja mais complexa.

Para além das tendências comerciais, dos apelos e dos resquícios do amor romântico que reverberam em todos nós, relendo Clarissa Estés (2018) me senti provocada a compartilhar sobre os custos energéticos envolvidos nos relacionamentos, e penso ser bem oportuno falar disso nesta data.

Para a autora, é importante pensarmos no quanto as parcerias amorosas também nos “custam” em: “tempo, energia, observação, atenção, indecisão, sugestões, instruções, ensinamentos, treinos”. Ela nos convida a refletir sobre o quanto há a necessidade de investimentos e retornos, bem como nos perigos em torno dos “saques a descoberto de uma poupança psíquica” (ESTÉS, 2018, p. 305).

É um outro modo de pensarmos a velha história de equilíbrio entre o dar e o receber, pois a energia, o tempo, o reconhecimento e tudo mais fazem parte de um movimento que precisa ser ofertado e recebido, investido e reposto, precisa de fluidez, de circular, de respirar.  É importante não se perder de si, no processo de incluir o outro.

Uma crônica que inspira esta discussão

A respeito destes movimentos nas parcerias amorosas, acho importante chamar para a conversa a interessante metáfora de Rubem Alves que ilustra configurações de parcerias diferentes e sugere ser possível vivenciar experiências amorosas mais empáticas e generosas, sem se perder de si mesmo. “Tênis X Frescobol” é uma das minhas crônicas favoritas do autor e trata do reconhecimento de uma conexão possível, uma espécie de “jogo amoroso”, que promove parceria e fluidez, reverberando em diversas outras reciprocidades e permanências.

Embora o texto de Rubem Alves tenha sido escrito focado nos casamentos, penso que suas reflexões são oportunas para diversas relações humanas, no campo do coletivo também. O autor nos conta que há relações competitivas, que se assemelham ao jogo de tênis.

Nestas, os objetivos envolvem ganhar e derrotar o adversário e para isso, as estratégias envolvem cortadas e desestabilizações, feitas a partir de considerar os pontos mais fragilizados do outro. Assim, o lugar do parceiro, também “adversário” é este: o de possibilitar a vitória.

Sem o perdedor não há ganhador e para ganhar é preciso “cortar”. Neste caso, vencer parece bem importante, aquela sensação efêmera e específica de triunfo, tão almejada na contemporaneidade. Não se sabe ao certo para que serve, mas tanta gente corre desenfreada buscando cruzar essa linha de chegada. Aqui, a vitória também pode vir acompanhada de  solidão,  já que ao outro o lugar ofertado é o de utilidade e conveniência.

Fico pensando no quanto as redes sociais têm feito esta função – a de uma quadra de tênis. O tempo todo alguém em evidência, vitorioso, com a sensação de superioridade. Para isso, tantas pessoas se sentindo desconsideradas, cortadas, silenciadas. Precisando sair do jogo, literalmente perdendo espaço. Pensando nos relacionamentos, exaurida, sufocada, clamando para que algum juiz interrompa o jogo para que possa respirar novamente.

De alguma forma a pandemia nos trouxe uma rotina diferente que facilitou olhar para isso tudo, para os espaços, para as cortadas, para as inclusões e exclusões. Pesado, incômodo, difícil digerir. As promessas de revisão dos modos de posicionamento no mundo e diante do outro, tão propagadas na chegada da COVID 19, se revelaram impossíveis. Na prática, o isolamento é de outra ordem. Voltando para a metáfora de Alves (2008), parece que temos tantas quadras, redes e competições imaginárias e ocultadas…

Amores possíveis

Contudo, este texto é em defesa das parcerias possíveis, saudáveis, revigorantes, que se assemelham ao jogo de frescobol. Neste jogo, objetivo é um jogo fluido, de fato de parceria, com o objetivo de ajustar os desvios da bola e mantê-la em movimento, um movimento sustentado pelas duas partes, com interesse e reciprocidade.

Segundo Rubem Alves, neste caso: “Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha” (ALVES, 2008, p. 115). Convidando Estés (2008) para o diálogo, se uma parte investe muita energia na cortada, rapidamente a outra ficará sem recursos para investir. Se uma parte “falir” o jogo não prossegue. O frescobol nos faz pensar no quanto a tarefa de reinvestir e revigorar precisa fazer parte do processo. 

Em tempos de Bauman, Lipovetsky e Han, num mundo em que valoriza o desempenho, a performance e a vitória, pensar em equilíbrio de energia, em reciprocidade nas parcerias amorosas parece uma transgressão e tanto. Olhando bem de perto, os relacionamentos no estilo frescobol não costumam aparecer, sobretudo por não estarem na lógica da vitória ou da sociedade do espetáculo. Não por acaso, estes não precisam de validação externa, pois nutre-se em si mesmo. Mais importante que mostrar o jogo é de fato brincar durante o jogo, é a experiência em si, a vida ali. O que não parece carecer de curtidas, likes ou comentários. Pode ser um jogo privado ou restrito aos encontros autênticos.

Rubem Alves (2008), também nos sugere pensar nas bolas destes jogos como os sonhos das pessoas. O que andamos fazendo com os sonhos delas? Se é sonho é “coisa delicada, do coração”. Assim, qual é o objetivo em cortá-lo? Destruí-lo ou diminuí-lo?  “Há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam a espreita do momento certo para a cortada. […] O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento.  Aqui, quem ganha sempre perde”(ALVES, 2008, P. 116).

Enquanto humanidade, dada a realidade contemporânea, precisamos avançar muito.  Enlaçar mais e fazer menos “nós”,  fluir, compartilhar e não performar tanto. Quando coletivamente se ganha, o benefício se amplia. Quando só um ganha, que graça tem? Avançar é arriscar a novos modos de existência.

Como nos sugere Han (2020), “Aparentemente temos tudo; só nos falta o essencial, a saber, o mundo […] Perdemos a capacidade de admiração” (HAN, 2020, p. 128). Assim, quem sabe seja a hora de começar a jogar mais frescobol, a correr o risco de viver pela vida em si, com menos filtro e mais energia vital. No final das contas, é o que temos.

Referências

ALVES, Rubem. As melhores crônicas de Rubem Alves. Campinas, SP: Papirus, 2008.

ESTÉS, Clarissa Pínkola. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

HAN, Byung – Chul. Sociedade do cansaço. Petro´polis: Vozes, 2020.

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